quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Preconceito com a Dança do Ventre

Excelente matéria do site do Khan El Khalili!
 
"Preconceito geralmente ocorre com o que nos é desconhecido ou com aquilo que pensamos conhecer, mas sobre o qual temos poucas informações.

Com relação à dança do ventre, não só no Brasil, mas em todos os países que divulgam essa arte, dois obstáculos em especial têm-se impostos:

1) aspectos culturais em geral; e
2) aspectos negativos criados internamente.
Para muitas mulheres, não é nada fácil falar que aprendem dança do ventre. Um comentário pernicioso sempre surge: "...aquela que faz a cobra subir", "...ah, aquela dança do ‘Tchan’!", "...e você vai tirando todos os véus até ficar nua?", e por aí vai!

Haja paciência para lidar com tanta ignorância decorrente de tamanha desinformação!


Muita gente se pergunta o porquê do preconceito com a dança do ventre. O que gera isso? Existe algum modo de contê-lo? O que fazer para fugir desse estigma?

Grosso modo, diversos fatores influem no crescimento do preconceito com a dança do ventre em nosso país. Não só fatores culturais, como também falhas graves (nascidas e, por vezes, difundidas dentro do próprio mercado de dança), determinam o esse recrudescimento.


Aspectos Culturais

Sobre os aspectos culturais, as pessoas intimamente ligadas à dança do ventre não possuem qualquer controle, por se tratarem de características enraizadas, como as seguintes:

1) fantasias masculinas sobre haréns (possibilidade de ter dezenas de mulheres bonitas, charmosas e submissas ao seu encanto, sempre em tom exclusivamente machista, gerando comentários jocosos nas rodas masculinas);

2) sonhos hollywodianas (explorados através dos filmes, onde as mulheres entram dançando por alguns segundos, sempre como pano de fundo para algum pervertido olhar masculino);

3) a lembrança dos cabarés, night clubs e casas noturnas, que exploram o corpo feminino de forma devassa ao apresentarem shows de dança com o corpo feminino praticamente nu;

4) a “contribuição” dos meios de comunicação, apresentando a mulher como objeto de consumo, transformando-a numa fonte de vendas de todos os tipos de produtos possíveis;

5) o tradicionalismo cultural brasileiro fora dos grandes centros urbanos (cidades interioranas, onde não existe divulgação adequada da cultura árabe, sentem-se chocadas quando vislumbram mulheres em trajes sumários, principalmente quando assistem, pelos meios de comunicação, a algo exagerado ou distorcido).


Aspectos Negativos Criados Internamente

Com relação a esse aspecto, é forçoso dizer que a propagação advém das pessoas que deveriam zelar pela arte que praticam. Dentre as várias deturpações existentes, relaciono as seguintes:

6) exageros por parte de “ilustres bailarinas desconhecidas”, que, ao divulgarem a dança, desvirtuam-na de forma torpe (se preferir outras (des)qualificações: desonesta, impudica, indecorosa, vergonhosa, obscena, ignóbil, sórdida, repugnante, manchada, suja). Fazem de tudo para terem alguns minutos de fama;

7) participação desorientada de bailarinas em números de variedades (bailarinas de bom nível não participariam de variedades em programas populares);


8) conexão da dança a uma pseudo-religiosidade (informações distorcidas, misticismo exagerado, falsas conexões com o Egito Antigo, inovações desmesuradas e sem autenticidade, que favorecem o fanatismo e visam, exclusivamente, retorno financeiro);

9) descontinuidade do trabalho iniciado (a dança necessita de fontes seguras para sua divulgação: lugares confiáveis e compromissados, onde as aprendizes podem dançar e se desenvolver com respeito e dignidade);

10) competições, bairrismos e egos inflados (gerados por baixa auto-estima, receio da perda da majestade e de um sucesso ilusório. Tais procedimentos desnorteiam novas interessadas, que buscam na dança o encanto e a possibilidade do aprendizado).

Tudo isso causa um retrocesso na divulgação da dança, pois cria-se uma confusão cultural na cabeça das pessoas envolvidas, até mesmo nas mais esclarecidas.

Vale relembrar que apenas nos aspectos culturais não há como mexer. Não temos qualquer controle sobre eles, mas nem por isso precisamos alimentar essas idéias deturpadas.

Um dos grandes motivos para a criação, em 1997, do site da Khan el Khalili era exatamente procurar sanar tanta desinformação sobre a dança do ventre e a cultura árabe. De forma geral, ele faz o seu papel, trabalhando por nós, pois tem grande respeitabilidade e ampla visitação diária. A grande quantidade de ilustração também é necessária, pois podemos ver que, tanto a vestimenta quanto a postura das bailarinas, são respeitosas. Imagens falam mais do que palavras.

Infelizmente, com tanta coisa errada sendo divulgada da forma torpe (com todas aquelas (des)qualificações mencionadas acima), ele não consegue fazer milagres. Sempre que alguém busca algum tipo de projeção rápida, deturpa a cultura árabe e corrobora os aspectos culturais exemplificados acima. Ao final, todos nós que estamos no mercado de dança temos um árduo e imenso trabalho de reconstrução.
Perdemos a conta de quantas vezes recomeçamos, mas somos persistentes.

Nunca tivemos a pretensão de sermos os únicos, mas sempre procuramos fazer a coisa certa e da forma mais honesta possível. Atualmente, ao sinal da primeira dúvida, já oferecemos o endereço do site e encaminhamos as pessoas.

"Me conta aquela estória da dança do ventre..." Pelo tom, já percebemos quando há um preconceito embutido. Dizemos logo: "dá uma olhada em nosso site..."

Imagine explicar isso para o Brasil inteiro!

Se levarmos em consideração que muitas pessoas em nosso país, apesar de se mostrarem abertos ao aprendizado de novas idéias, novas culturas, são, na verdade, embustes, pois cristalizam conceitos deturpados, dá para ter uma idéia da dificuldade em explicar. Essa dificuldade é “favorecida” pelo que foi gerado erroneamente, através dos meios de comunicação em massa.

Quando dizemos, por exemplo, que a dança do ventre é estritamente feminina e que homem não dança, exceto em apresentações folclóricas que pedem a participação masculina, e ouvimos dizer que bailarinas oferecem aulas para homens, estas próprias estão puxando seu tapete no trabalho, pois a cultura árabe não permite, sequer abre brecha, para a exposição masculina nessa arte. Se já é difícil explicar a dança do ventre para mulheres, imagine misturando os sexos.

Levando-se em consideração que mais da metade dos brasileiros não moram nos grandes centros urbanos, e sim no interior (mais de 100 milhões de pessoas), procure imaginar o que se passa na cabeça das famílias tradicionalistas, quando assistem, pela tv, a um homem vestido com véus, todo maquiado, fazendo movimentos de dança do ventre, como se mulher fosse. Preconceito?

Já é difícil divulgar a dança da forma correta nos grandes centros urbanos, o que dizer nas cidades interioranas?

É de admirar mulheres que conseguem projeção em cidades do interior, independente da forma como é vista a cultura. Trata-se de um verdadeiro trabalho de catequese. Parece irreal, mas muitas, incrivelmente, conseguem.

O respeito se adquire através de postura, conhecimento, perseverança e critérios, honestidade e dedicação. Meio termo não funciona, apenas dá margem a mais preconceito.

Aqueles que apreciam a dança, bem sabem que existem, dentro desse mercado, como em todas as áreas profissionais, celebridades que se desenvolveram por anos de comprometimento e de respeito à arte que professam e às demais praticantes. Estas bailarinas possuem um diferencial visível em relação às outras. Queira ou não, existe uma hierarquia velada, um respeito interno necessário. Mas a mídia, por desconhecimento, trata todas como se fossem iguais. Nem se dão ao trabalho de saber quem é quem. Se não acontece uma exigência prévia da identidade, antes das apresentações dos programas televisivos, as bailarinas são chamadas de "as meninas da dança do ventre" ou "vamos apresentar a dança do ventre!". Essa é apenas uma das provas de que não existe o respeito devido às profissionais, mas sim um interesse pela audiência através do corpo desnudo, como tantos números de variedades, onde a mulher é objeto de consumo e chamariz erótico.
Assim, todas as bailarinas do país, desde aquelas que começaram seu aprendizado hoje até as que são verdadeiras celebridades, são jogadas dentro de um balaio e usadas para a exploração desse gênero. Todas iguais em todos os sentidos.

Outro aspecto igualmente grosseiro, também gerador de preconceito, são alunas com língua afiada que, em poucos meses, já têm opinião formada sobre "tudo". Tornam-se professoras sem o devido preparo, julgam as demais docentes, tratam bailarinas renomadas em pé de igualdade, criticam e opinam como se conhecessem tudo da matéria e da cultura. Essa falta de respeito estimula preconceitos sobre a dança a partir das salas de aula. Falam com tanta propriedade de seus conhecimentos, que seus ouvintes logo imaginam: "Se a fulana que faz dança do ventre diz isso, é porque entende". Pronto, acabou o mito da bailarina. Nada contra alunas, mas sim contra alunas que não conhecem seu lugar e sua posição de aprendizes.

É comum ouvir pessoas dizerem: "tenho uma amiga minha que faz dança do ventre". Na verdade ela não faz, ela aprende. E quem aprende tem de se colocar na posição de aprendiz, não no de bailarina renomada. Caso contrário, além do prejuízo à dança, causarão sérios obstáculos a si mesmas, pois não se dedicarão com afinco à arte que escolheram por pensarem ser experts no assunto.

Na verdade, todas aprendem a vida toda, ou deveriam estar aprendendo. Aquelas que dizem "saber" são as que menos dançam e as que mais envergonham e dão trabalho em todo o mercado. Elas geram preconceito, pois, quando entram em cena, apresentam performances supliciosas aos olhos do público. Os desinformados pensam: "dança do ventre é isso aí?" Poucas são as que desempenham a arte com alto nível. A grande maioria se alimenta de vaidade a que não faz jus. O que se vê em cena são pessoas despreparadas, sem o menor conhecimento de ética, comprometimento e bom senso.

Pronto, está explicado o porquê de tanto preconceito!

E por fim, como escapar de tudo isso amando a dança?

Se você é mulher e faz dança, lamento informar que dos "Aspectos Culturais" não há escapatória. Desista! Isso é mais forte do que se possa imaginar.

Já nos "Aspectos Negativos Criados Internamente", existem alguns mecanismos que dependem da sua ética e comprometimento: desenvolva seu trabalho da melhor forma; tenha sempre muita classe e bom gosto para se vestir, falar e agir; aprenda nas fontes mais seguras; respeite todos com quem você aprende e aqueles que aprendem com você; evite tentar convencer as pessoas que a dança é maravilhosa (deixe que descubram por si só); fale, estritamente, o necessário e mantenha sempre seu desenvolvimento; não cometa gafes de falar mal de tudo e de todos; trabalhe apenas com quem lhe oferece dignidade; só vá para um programa televisivo se tiver potencial para isso; nunca faça número de variedades ou seja pano de fundo; reconheça seus pontos fracos e procure trabalhá-los; seja íntegra, correta e impecável em sua atuação e conduta; se sentir problemas de inadequação, não pense duas vezes: faça terapia.

É mínimo? É sim! Mas, se cada uma fizer sua parte, não precisaremos ficar reconstruindo sempre. Estranhamente, nesse mercado, as pessoas envolvidas contaminam água que bebem.

Como em todos os ramos do comércio, infelizmente, também existe o submundo na área de dança do ventre. Sempre vai aparecer alguém que trabalha pela metade do preço, que vende produtos alternativos, que coloca seus escrúpulos em segundo plano. Isso é tão comum como o fato de crescerem mato e ervas daninhas em campos floridos.

A escolha dos lados, depende de cada um!
Por: Jorge Sabongi

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